Do inventário “arrolamento comum” e o Novo CPC
No instante da morte ou no instante presumido da morte de alguém, surge o direito hereditário, sendo então aberta a sucessão patrimonial. O patrimônio do de cujusé a herança, o espólio, composta pelos bens, direitos e obrigações do de cujus, e adquire caráter indivisível.
No processo de sucessão, a diferença entre espólio e herança é que espólio são os bens deixados, enquanto a herança não são apenas os bens, mas também os direitos e deveres que uma pessoa deixa.
Enquanto for mantida a situação de indivisão do espólio, serão aplicadas, entre os co-herdeiros, as regras do condomínio. O inventário e a partilha têm por finalidade cessar o estado de indivisão, por meio da apuração e atribuição do quinhão de cada um dos herdeiros, formalizando então a transmissão dos direitos hereditários aos sucessores.
O inventário comporta as seguintes etapas: a abertura do inventário, a nomeação do inventariante, o oferecimento das primeiras declarações, a citação dos interessados, a avaliação dos bens, o cálculo e o pagamento dos impostos, as últimas declarações, a partilha e sua homologação. Tal rito processual se encontra no Título IX do atual Código de Processo Civil, a partir do seu artigo 982.
Desta forma, há: o inventário judicial pelo rito tradicional; tem o inventário judicial pelo rito sumário, previsto este no artigo 1.031 do atual CPC, em que há concordância entre os herdeiros e a partilha é amigável; o inventário extrajudicial, trazido pela Resolução 35 do Conselho Nacional de Justiça - CNJ, em 2007, tendo como requisito que todos os herdeiros devem ser capazes; e o arrolamento comum, que não leva em conta eventual acordo entre as partes interessadas, mas sim o valor dos bens inventariados.
No atual Código de Processo Civil, o inventário chamado de “arrolamento comum”, é tratado no artigo 1.036, onde se limita os valores do bens que deverão ser calculados em Obrigações do Tesouro Nacional – OTN, substituta da ORTN – Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional, em 1986 e extinta em 1989, quando fora substituída pela BTN – Bônus do Tesouro Nacional, e então pela TR – Taxa Referencial.
“Art. 1.036. Quando o valor dos bens do espólio for igual ou inferior a 2.000 (duas mil) Obrigações do Tesouro Nacional - OTN, o inventário processar-se-á na forma de arrolamento, cabendo ao inventariante nomeado, independentemente da assinatura de termo de compromisso, apresentar, com suas declarações, a atribuição do valor dos bens do espólio e o plano da partilha.
1º Se qualquer das partes ou o Ministério Público impugnar a estimativa, o juiz nomeará um avaliador que oferecerá laudo em 10 (dez) dias.
2º Apresentado o laudo, o juiz, em audiência que designar, deliberará sobre a partilha, decidindo de plano todas as reclamações e mandando pagar as dívidas não impugnadas.
3º Lavrar-se-á de tudo um só termo, assinado pelo juiz e pelas partes presentes.
4º Aplicam-se a esta espécie de arrolamento, no que couberem, as disposições do art. 1.034 e seus parágrafos, relativamente ao lançamento, ao pagamento e à quitação da taxa judiciária e do imposto sobre a transmissão da propriedade dos bens do espólio.
5º Provada a quitação dos tributos relativos aos bens do espólio e às suas rendas, o juiz julgará a partilha.”
A partir de março de 2016, com o Novo CPC, a limitação aos valores do bens passa a ser calculado sobre o salário-mínimo, como disposto no seu artigo 664:
“Art. 664. Quando o valor dos bens do espólio for igual ou inferior a 1.000 (mil) salários-mínimos, o inventário processar-se-á na forma de arrolamento, cabendo ao inventariante nomeado, independentemente de assinatura de termo de compromisso, apresentar, com suas declarações, a atribuição de valor aos bens do espólio e o plano da partilha.
1º Se qualquer das partes ou o Ministério Público impugnar a estimativa, o juiz nomeará avaliador, que oferecerá laudo em 10 (dez) dias.
2º Apresentado o laudo, o juiz, em audiência que designar, deliberará sobre a partilha, decidindo de plano todas as reclamações e mandando pagar as dívidas não impugnadas.
3º Lavrar-se-á de tudo um só termo, assinado pelo juiz, pelo inventariante e pelas partes presentes ou por seus advogados.
4º Aplicam-se a essa espécie de arrolamento, no que couber, as disposições do art. 672, relativamente ao lançamento, ao pagamento e à quitação da taxa judiciária e do imposto sobre a transmissão da propriedade dos bens do espólio.
5º Provada a quitação dos tributos relativos aos bens do espólio e às suas rendas, o juiz julgará a partilha.”
Uma inovação é trazida ao artigo 665 do Novo Código rocesso Civil, em que permite que tal inventário também possa ser processado ainda que haja interessado incapaz.
“Art. 665. O inventário processar-se-á também na forma do art. 664, ainda que haja interessado incapaz, desde que concordem todas as partes e o Ministério Público.”
Até então, aqueles que queriam fazer o inventário na modalidade arrolamento mas haviam herdeiros menores, recorriam ao judiciário para que fosse aceito, e em alguns casos era deferido, como aduz a seguinte jurisprudência:
AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 713784-0, DO FORO CENTRAL DA COMARCA DA METROPOLITANA DE CURITIBA – 10ª VARA CÍVEL. RELATOR: Desembargador RUY MUGGIATI. AGRAVO DE INSTRUMENTO. INVENTÁRIO – CONVERSÃO EM ARROLAMENTO – MENOR RELATIVAMENTE INCAPAZ – POSSIBILIDADE – PRINCÍPIOS DA INSTRUMENTALIDADE E DA CELERIDADE - ARTIGO 5º, INCISO LXXVIII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. 1. “Não ofende o devido processo legal a decisão que converte o inventário em arrolamento, a pedido dos herdeiros, se o plano de partilha respeitar os interesses do herdeiro incapaz, e tiver por finalidade o atendimento à celeridade processual, como princípio previsto no art. 5º, LXXVII, da Constituição Federal”(Parecer proferido pelo Ilustre Procurador de Justiça Milton José Furtado – fl. 116).2. O princípio da instrumentalidade conduz à aplicação teleológica racional das normas processuais, evitando a literalidade, os excessos do formalismo e que a própria normas e converta em um fim em si mesma.3. Recurso conhecido e provido.
Ademais, o artigo 664 do Novo CPC traz um erro. Em seu § 4º cita o artigo 672 para aplicação relativa ao lançamento, ao pagamento e à quitação da taxa judiciária e do imposto sobre a transmissão da propriedade dos bens do espólio, porém, o artigo 672 fala sobre a licitude da cumulação de inventários para a partilha de heranças de pessoas diversas:
“Art. 672. É lícita a cumulação de inventários para a partilha de heranças de pessoas diversas quando houver:
I - identidade de pessoas entre as quais devam ser repartidos os bens;
II - heranças deixadas pelos dois cônjuges ou companheiros;
III - dependência de uma das partilhas em relação à outra.
Parágrafo único. No caso previsto no inciso III, se a dependência for parcial, por haver outros bens, o juiz pode ordenar a tramitação separada, se melhor convier ao interesse das partes ou à celeridade processual.”
Na verdade, é o artigo 662 do Novo CPC que trata do lançamento, do pagamento e da quitação de taxas judiciárias e de tributos incidentes sobre a transmissão da propriedade dos bens do espólio.
“Art. 662. No arrolamento, não serão conhecidas ou apreciadas questões relativas ao lançamento, ao pagamento ou à quitação de taxas judiciárias e de tributos incidentes sobre a transmissão da propriedade dos bens do espólio.
1o A taxa judiciária, se devida, será calculada com base no valor atribuído pelos herdeiros, cabendo ao fisco, se apurar em processo administrativo valor diverso do estimado, exigir a eventual diferença pelos meios adequados ao lançamento de créditos tributários em geral.
2o O imposto de transmissão será objeto de lançamento administrativo, conforme dispuser a legislação tributária, não ficando as autoridades fazendárias adstritas aos valores dos bens do espólio atribuídos pelos herdeiros.”
Desta forma, o inventário na modalidade arrolamento comum, que antes estava um pouco em desuso, agora, por elevar a possibilidade dos valores dos bens, por permitir o seu processo ainda que haja interessado incapaz, e sendo mais prático, com o Novo CPC, provavelmente será mais buscado.
Marcela Mª Furst Signori Prado
Publicado em 15 de junho de 2015 no JusBrasil
- Citado em texto da Juíza de Direito de Comarca de Entrância Final/TJPR, Dra. Denise Damo Comel, que escreveu sobre o imposto de transmissão causa mortis no arrolamento.