Adoção “à brasileira” e o melhor interesse do menor

Adoção “à brasileira” e o melhor interesse do menor

O Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA, Lei nº 8.069/90, já previa que cada região deveria manter cadastros de pessoas habilitadas e de crianças disponíveis para a adoção.

Em 2008, foi lançado, pelo CNJ – Conselho Nacional de Justiça, o Cadastro Nacional de Adoção (CNA), que é uma ferramenta digital que auxilia os juízes das Varas da Infância e da Juventude na condução dos procedimentos dos processos de adoção em todo o país, tornando os procedimentos para efetivar a adoção ainda mais ágil. O cruzamento de dados permite que o sistema encontre perfis de crianças e interessados que vivem em estados e regiões diferentes.

Com a Lei nº 12.010/09, que dispõe sobre a Adoção, qualquer pessoa que queira adotar uma criança no Brasil tem de estar inscrita neste cadastro.

A adoção intuitu personae, é aquela em que a mãe ou a família biológica entrega a criança para outra pessoa, escolhida por ela. Tal forma, também conhecida como “adoção à brasileira”, burla o cadastro de adotantes habilitados.

Muitas vezes, os que “recebem” a criança, as registram como suas, constituindo, assim, crime contra o estado de filiação, previsto no artigo 242 do Código Penal:

“Art. 242 - Dar parto alheio como próprio; registrar como seu o filho de outrem; ocultar recém-nascido ou substituí-lo, suprimindo ou alterando direito inerente ao estado civil:

Pena - reclusão, de dois a seis anos.”

A convalidação da adoção intuitu personaeé exceção admitida em situação de vínculo afetivo preexistente entre as partes. Mas o § 13 do artigo 50 do ECA dispõe de situações específicas:

“§ 13. Somente poderá ser deferida adoção em favor de candidato domiciliado no Brasil não cadastrado previamente nos termos desta Lei quando:

  • I - se tratar de pedido de adoção unilateral;
  • II - for formulada por parente com o qual a criança ou adolescente mantenha vínculos de afinidade e afetividade;
  • III - oriundo o pedido de quem detém a tutela ou guarda legal de criança maior de 3 (três) anos ou adolescente, desde que o lapso de tempo de convivência comprove a fixação de laços de afinidade e afetividade, e não seja constatada a ocorrência de má-fé ou qualquer das situações previstas nos arts. 237 ou 238 desta Lei.

§ 14. Nas hipóteses previstas no § 13 deste artigo, o candidato deverá comprovar, no curso do procedimento, que preenche os requisitos necessários à adoção, conforme previsto nesta Lei.”

Contudo, os julgados têm entendido que o período de convívio entre a criança e as pessoas que a criaram como pais, forma um forte vínculo afetivo, e não pode ser desconsiderado, visando o melhor interesse do menor:

“APELAÇÃO CÍVEL. ADOÇÃO C/C DESTITUIÇÃO DE PODER FAMILIAR. VIABILIDADE DA ADOÇÃO NO CASO CONCRETO. AFETIVIDADE. INTERESSE DO MENOR. Configurado abandono por parte dos genitores, impositiva a destituição do poder familiar, nos termos do artigo 1.638, II do Código Civil. Mesmo quando os adotantes não integrem a lista de habilitados para a adoção (art. 50, do ECA), existe a possibilidade jurídica da ação, especialmente quando o vínculo afetivo já esta consolidado. Nessas situações, excepcionais, deve haver flexibilização das normas legais e autorizada a manutenção da criança onde já se encontra. Caso dos autos. APELO NÃO PROVIDO.”(SEGREDO DE JUSTIÇA) (Apelação Cível Nº 70028661049, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Claudir Fidelis Faccenda, Julgado em 26/03/2009)

Entretanto, não pode, o juiz, ser um homologador de vontades, devendo se ater aos requisitos, que, quando não observados, têm o pedido negado:

“AGRAVO INTERNO. DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU SEGUIMENTO A AGRAVO DE INSTRUMENTO. PEDIDO DE GUARDA PROVISÓRIA. INDEFERIMENTO. ADOÇÃO DIRIGIDA. IMPOSSIBILIDADE. ABRIGAMENTO DO MENOR. O desatendimento à ordem da lista de espera para adoção somente é admissível em casos excepcionais, em que evidenciada ampla e duradoura relação de afetividade entre o menor e o pretenso adotante, do que não se cuida na espécie. No caso em exame, não se trata de situação especial, admitida apenas em exceções, já que se trata de criança nascida há menos de quinze dias. Recomendável, nas circunstâncias, a manutenção da menor em abrigo, até a colocação em família substituta, dentro dos ditames previstos, devidamente inscrita na lista de famílias habilitadas à adoção, nos termos do procedimento de lei. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO.”(Agravo Nº 70023463391, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: André Luiz Planella Villarinho, Julgado em 28/05/2008)

“APELAÇÃO CÍVEL. ECA. PEDIDO DE GUARDA PROVISÓRIA. ADOÇÃO INTUITU PERSONAE. INOBSERVÂNCIA DO PROCEDIMENTO LEGAL. INOCORRÊNCIA DE SITUAÇÃO EXCEPCIONAL A AUTORIZAR O DEFERIMENTO DA ADOÇÃO PRETENDIDA. CASAL NÃO HABILITADO NO CADASTRO DE ADOTANTES. A observância do procedimento legal visa proteger os interesses das crianças postas em adoção, de modo que somente pode ser relativizado em situações excepcionais, quando verificado o real benefício à criança, o que não é o caso dos autos. NEGARAM PROVIMENTO. UNÂNIME.”(Apelação Cível Nº 70014616478, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Julgado em 07/06/2006)

Desta forma, vemos que o deferimento ou não do pedido de adoção quando caracterizada “à brasileira”, deve ir sempre de encontro ao que é determinado no artigo 43 do ECA:

“Art. 43. A adoção será deferida quando apresentar reais vantagens para o adotando e fundar-se em motivos legítimos.”

O relator do julgado TJRS - AC Nº 70063269963 - Oitava Câmara Cível – de 21/05/2015, ressaltou o parecer psicológico apresentado aos autos, alegando este ter retratado bem o seu entendimento sobre o caso concreto:

“(…) Se tomado pela via real da ilegalidade, da ‘adoção à brasileira, pensamos que a criança pagará um alto valor, pois possivelmente tomará o percurso de retirada desse casal – instituição – novo casal. Assim, V estará pagando pelo ‘crime’ de ter sido abandonada. Movimentos estes que acabarão por levá-la a recomeçar seu trabalho psíquico de estruturação simbólica, de luto biológico, terá que ‘dar conta’ de uma nova família (instituição) e depois de um novo casal, poderá estar inscrita na possibilidade de vínculos que falar de separação e união, pois até numa adoção pode também ser abandonada, se o desejo narcisizante do casal à cria não for o mesmo empreendido até o momento. Então na busca de evitar tais riscos que seriam imensamente prejudiciais para o presente e repercutirão no futuro da criança, na possibilidade de não conseguir ou de não ter ajuda para ressimbolizar essas fraturas dos laços primeiros de inscrições internas, acredito que o risco menor seria o de permanecer com o casal a qual já está inserida e inscrita como filha. Se for um erro essa idéia aos olhos da Lei, sem dúvida é a escolha de preferir o ‘erro’ ao abandono. Penso que independente de C ser o pai biológico ou não, o objeto em questão é V, (…)”

Ainda, em sua decisão, transcreveu trecho do Estudo Social também acostados aos autos:

“(…) o sentimento de pertencimento a um núcleo familiar, tanto dos pais afetivos quanto o da criança, já estão fortemente enraizados através da relação socioafetiva estabelecida entre a criança e seus cuidadores, a afetividade exercida no dia a dia com uma criança ultrapassa os limites de laços biológicos, pois famílias não são formadas apenas por filhos legítimos, e sim por núcleos familiares que valorizam um fator imprescindível para sua formação, o amor, e o afeto.”(grifos meus)

E em recente decisão, o STJ – Superior Tribunal de Justiça, entendeu que não decai o direito do menor, por ocasião da maioridade, de buscar a identidade biológica, em qualquer caso:

“(...) É sempre possível o desfazimento da adoção à brasileira mesmo nos casos de vínculo socioafetivo, se assim decidir o menor por ocasião da maioridade; assim como não decai seu direito de buscar a identidade biológica em qualquer caso, mesmo na hipótese de adoção regular. Precedentes. 6. Recurso especial não provido.”(STJ - REsp 1352529 / SP, Relator Ministro Luis Felipe Salomão, J. (24/02/2015)

Marcela Mª Furst Signori Prado
Publicado em 21 de outubro de 2015, no JusBrasil