Abandono afetivo e alienação parental inter lar

Abandono afetivo e alienação parental inter lar

Com este artigo, trago uma abordagem sobre os institutos abandono afetivo e alienação parental, com explicação ilustrativa sob a análise de um filme.

“Precisamos falar sobre Kevin”, é um filme de Lynne Ramsay, de 2011, baseado no livro “Temos de Falar Sobre o Kevin” de Lionel Shriver1. Fala sobre Kevin Khatchadourian, 16 anos, autor de uma chacina na escola onde estudava, que também matou o pai e a irmã mais nova.

Trata-se de uma análise psicológica do início ao fim. Pela narrativa, vemos, desde o início, que a mãe de Kevin não aceitou bem a gravidez e manteve o comportamento de rejeição e falta de demonstração de afeto ao longo dos anos. A estória mostra como Kevin sente essa rejeição e leva sua mãe ao limite extremo em vários momentos, requerendo a todo custo uma demonstração de um sentimento verdadeiro.

A visão jurídica do filme, na minha perspectiva, vem para promover reflexões e renovar o pensamento acerca do abandono afetivo, com abordagem inovadora. E alertar sobre os danos causados pelo abandono afetivo que ocorre dentro de casa.

A figura do pai de Kevin é ausente de responsabilidades, apenas aparece para brincar e, por isto, tem todo o carinho do filho. Além de o tempo todo ignorar os relatos de sua esposa, fazendo-a parecer neurótica. Aqui, podemos ver um caso de alienação parental praticada ainda dentro da relação conjugal:

“Artigo 2º da Lei 12.318/10:

  1. I - realizar campanha de desqualificação da conduta do genitor no exercício da paternidade ou maternidade;

  2. II - dificultar o exercício da autoridade parental;”

No livro “Alienação Parental Induzida”, de Bruna Barbieri Waquim, que traz a ampliação dos estudos da síndrome de alienação parental, baseados em estudos de Richard Gardner com nova leitura de Baker, o instituto é abordado:

“Deste estudo, que realçou novas formas de prática de Alienação Parental para além do tradicional cenário identificado por Richard Gardner em seus tranalhos, Baker (2006) traçou cinco conclusões inovadoras. (…)

A segunda, de que a Alienação Parental pode também ocorrer em família intactas, ou seja, cujos genitores não tenham se separado, e aqui Baker reconhece que o despertar da comunidade em geral, apesar de ter ocorrido diante das situações de disputa judicial de guarda, não pode fechar os olhos à ocorrência dessa prática quando os genitores residem no mesmo lar. Assim, defende Baker que os profissionais que lidam com famílias devem se familiarizar com a amplitude do conceito de Alienação Parental e não devem considerar a hipótese da sua ocorrência pelo simples fato dos genitores não estarem separados.2

Resta demonstrado, no filme, que Kevin tem problemas comportamentais e demonstra inclusive ter uma inteligência acentuada, e os pais percebem essa “diferença” nele, mas não fazem nada, não buscam respostas médicas, psicológicas ou neurológicas.

A cena em que Kevin com 7 (sete) anos de idade, ainda usando fralda descartável e querendo levar a mãe ao extremo a ponto de esta quebrar seu braço, e então passa a usar o vaso sanitário, é uma demonstração do seu desespero por atenção. Inclusive, ele fala que foi a única atitude verdadeira que a mãe teve com ele.

O título do filme: “Precisamos falar sobre Kevin” mostra o que nunca foi feito, mas que deveria ter sido, no âmbito familiar.

Muito se fala de abandono afetivo quando o genitor não convive com o filho, mas e quando ele ocorre dentro de casa com convívio diário?

O artigo 22 da Lei n.º 8.069/90 – Estatuto da Criança e do Adolescente, dispõe que:

“Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais.”

A Constituição Federal diz que é dever da família assegurar à criança a dignidade e a convivência familiar, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência:

“Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”

A jurisprudência atualmente, ao julgar as Ações de Dano Moral por abandono afetivo, tem cobrado uma paternidade responsável, para que se cumpra a determinação constitucional do direito à convivência familiar.

Há um julgado muito interessante, neste sentido: AC 10145074116982001/MG - Relator(a): Des. Barros Levenhagen - Julgamento: 16/01/2014 - Órgão Julgador: Câmaras Cíveis / 5ª CÂMARA CÍVEL, em que cita outras jurisprudências e traz um voto do Des. Versiani Penna (revisor)3:

“Cediço é que a paternidade não se resume ao dever de prestar assistência material, mas também assistência moral, psíquica e afetiva.

Por óbvio que a falta de cumprimento de quaisquer desses deveres geram transtornos na vida da criança, mas, em especial, o dever de assistência afetiva é, a meu ver, o mais doloroso e talvez seja o que mais traga prejuízos psicológicos para o menor. A rejeição e a indiferença são um dos piores sentimentos que um indivíduo pode sofrer, quanto mais uma crianças.

Sendo assim, não há dúvida de que essa forma de violência e agressão moral é danosa para o filho, na medida em que lhe causa angústia, insegurança, tristeza, ou seja, transtornos psicológicos de toda ordem que poderão refletir por toda a sua vida.”

Desta forma, a imposição de condenação por danos morais aos genitores que abandonam seus filhos constitui uma forma de chamar a atenção da sociedade para que compreendam que a participação dos pais na vida dos filhos é um dever inerente à sua condição de genitor.

E com este artigo, quero promover reflexões e renovar o pensamento acerca do abandono afetivo e da alienação parental, com abordagem inovadora. Alertar sobre os danos causados pelo abandono afetivo que ocorre dentro de casa, com o intuito de contribuir para a promoção de mudanças. Afinal, a Família é o nosso bem maior e deve ser protegido.

Marcela Mª Furst Signori Prado
Brasília, 22 de março de 2018

  • 2Alienação Familiar Induzida. Bruna Barbieri Waquim. ED. Lumen Juris Direito. 2ª Edição. fl. 50.