A interdição e a curatela sob a nova ótica do Estatuto da Pessoa com Deficiência
Destinada a assegurar e promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com deficiência, a Lei 13.146/2015, o Estatuto da Pessoa com Deficiência, trouxe alterações em dois artigos do atual Código Civil, que tratam da personalidade e da capacidade das pessoas naturais.
O artigo que trata dos absolutamente incapazes, ficou assim:
“Art. 3º: São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil os menores de 16 (dezesseis) anos. (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência)
I - (Revogado); (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência)
II - (Revogado); (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência)
III - (Revogado). (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência)”
Ou seja, teve todos os seus incisos revogados, mantendo-se, como única hipótese de incapacidade absoluta - que são aqueles que tem impossibilidade total do exercício de direito e devem ser representados - a do menor de 16 anos.
E o artigo 4º, que cuida da incapacidade relativa, que são aqueles que podem praticar por si atos da vida civil, desde que assistidos por quem a lei encarrega deste ofício, também sofreu modificação. Permaneceu a previsão dos menores entre 16 anos completos e 18 anos incompletos, tirou a referência à deficiência mental, e passou a tratar, apenas, das pessoas que “por causa transitória ou permanente, não possam exprimir a sua vontade”:
“Art. 4º: São incapazes, relativamente a certos atos ou à maneira de os exercer: (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência)
I - os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos;
II - os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os que, por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido;
III - os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo;II - os ébrios habituais e os viciados em tóxico; (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência)
III - aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade; (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência)
IV - os pródigos.
Parágrafo único. A capacidade dos índios será regulada por legislação especial.Parágrafo único. A capacidade dos indígenas será regulada por legislação especial. (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência)”
Desta forma, se a incapacidade civil mudou e o instituto da interdição trata da declaração desta incapacidade, vamos falar sobre.
A Ação de Interdição, é a ação que tem por fim a declaração da incapacidade de determinada pessoa. Uma vez decretada a interdição pelo juiz, o interditado não mais poderá comandar os atos na vida civil, portanto, faz-se necessário a nomeação de um curador, que exercerá a curatela desta pessoa.
A interdição pode ser absoluta ou parcial. A absoluta impede que o interditado exerça todo e qualquer ato da vida civil sem que esteja representado por seu curador. Já a interdição parcial permite que o interditado exerça aqueles atos a que não foi considerado incapaz de exercê-lo nos limites fixados em sentença.
De acordo com o artigo 1.768 do Código Civil e o artigo 747 do atual Código de Processo Civil, a interdição e o processo que define os termos da curatela podem ser promovidos pelo cônjuge ou companheiro, pelos parentes ou tutores, pelo representante da entidade em que se encontra abrigado o interditando, pelo Ministério Público, e pela própria pessoa.
Os artigos 749 e seguintes do novo Código de Processo Civil, tratam dos procedimentos e determina que, o autor, na petição inicial, deverá especificar os fatos que demonstram a incapacidade do interditando para administrar seus bens e para praticar atos da vida civil, bem como o momento em que a incapacidade se revelou.
Bem, de acordo com o Estatuto da Pessoa com Deficiência, a interdição passa a ser exceção.
“Art. 85. A curatela afetará tão somente os atos relacionados aos direitos de natureza patrimonial e negocial.
§ 1o A definição da curatela não alcança o direito ao próprio corpo, à sexualidade, ao matrimônio, à privacidade, à educação, à saúde, ao trabalho e ao voto.
§ 2o A curatela constitui medida extraordinária, devendo constar da sentença as razões e motivações de sua definição, preservados os interesses do curatelado.”
Desta forma, por ser uma medida extraordinária, existe uma outra via assistencial de que pode se valer a pessoa com deficiência para que possa atuar na vida civil, que é Tomada de Decisão Apoiada.
“Art. 84. A pessoa com deficiência tem assegurado o direito ao exercício de sua capacidade legal em igualdade de condições com as demais pessoas.
§ 2o É facultado à pessoa com deficiência a adoção de processo de tomada de decisão apoiada.”
A Tomada de Decisão Apoiada é o processo pelo qual a pessoa com deficiência, dotada de certo grau de discernimento, elege pelo menos 2 (duas) pessoas idôneas, com as quais mantenha vínculos e que gozem de sua confiança, para prestar-lhe apoio na tomada de decisão sobre atos da vida civil, fornecendo-lhes os elementos e informações necessários para que possa exercer sua capacidade.
Para Dra. Regina Beatriz Tavares da Silva, presidente da ADFAS (Associação de Direito de Família e das Sucessões), “a Síndrome de Down (SD) é a síndrome genética de maior incidência e tem como principal consequência a deficiência mental. Desse modo, o portador de síndrome de down se enquadra no Estatuto da Pessoa com Deficiência – EPD. Conforme estudos científicos, não existem graus de síndrome de down, no entanto há diferenças de desenvolvimento que decorrem das características individuais referentes à herança genética, à estimulação, à educação, ao meio ambiente, aos problemas clínicos, entre outros1.”
Desta forma, a autonomia na prática de atos da vida civil pela pessoa com deficiência, dependerá do grau dessa deficiência, a ser avaliada por equipe multiprofissional e interdisciplinar, conforme dispõe o referido dispositivo legal no seu artigo 2º.
“Art. 2o Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
§ 1o A avaliação da deficiência, quando necessária, será biopsicossocial, realizada por equipe multiprofissional e interdisciplinar e considerará:
I - os impedimentos nas funções e nas estruturas do corpo;
II - os fatores socioambientais, psicológicos e pessoais;
III - a limitação no desempenho de atividades; e
IV - a restrição de participação.”
E a partir de então se tomará a medida medida judicial protetiva cabível, seja de curatela ou de tomada de decisão apoiada, prevalecendo a norma mais benéfica à pessoa com deficiência, conforme determina o artigo 121 do Estatuto da Pessoa com Deficiência.
Ademais, ressalte-se que, resguardando a segurança jurídica e social, não há que se considerar, a partir do Estatuto, inválidos e ineficazes todos os termos de curatela existentes. De modo que, os termos de curatela já lavrados e expedidos continuam válidos, embora a sua eficácia esteja limitada aos termos do Estatuto, sendo interpretados sob nova concepção.
Marcela Mª Furst Signori Prado
Brasília, 23 de maio de 2017
- Publicado na revista Síntese Direito de Família, agosto/setembro 2018, nº 109, págs. 67/70.
- Disponibilizado como doutrina no Repertório e Jurisprudência do IOB - Informações Objetivas Publicações Jurídicas Ltda, ementa 3/38300, página 351, na biblioteca do TJDFT.
- Disponibilizado e citado no Sumário Correntes de Direito- n.3 | 2019 - Maio/Jun. da EMERJ - Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro.